Bailado das Abelhas

® Todos os direitos reservados à autora - Cida Becker/2006

31.3.11

Bailado das Abelhas

O Bailado das Abelhas é um livro de poesias. Contém quatro capítulos:

Primeiro: Da floração. Deparamo-nos com a esfera da Natureza, que deixa de ser estática na medida em que o olhar do homem se deposita sobre ela. O poeta transforma o olhar em contemplação e é absorvido pelo êxtase: "Deixem-me quieto /quero ouvir o mundo".

Segundo: Dos Néctares. Aqui emerge o humano, marcado pelo prazer e pelo vício, e as sensações assumem a dimensão de um vivido íntimo em que "Ninguém vai compreender / por que nos fizemos sós / depois do infinito segundo".

Terceiro: Das Colméias. Presentifica-se o social, através de um espaço urbano de fome, desespero, medo e angústia, em que estamos expostos ao enfrentamento com o abandono, a dor e o sofrimento, pois "Dói amar tudo o que se ama".

Quarto: Da Sagração. Aqui encontramos as marcas do poético, através do qual o homem ultrapassa sua condição humana, uma vez que só o poeta poderá dizer: "Ponho minh' alma em versos".

Para ler "O Bailado das Abelhas" precisamos querer escutar a alma sensível do poeta que nos desvenda os mistérios das diversas faces da existência humana: do prazer e da dor, da esperança e da desilusão, da presença e do abandono, da vida e da morte.

Mas, para escutar a alma de um poeta, temos que escutar com a alma. Por Cida Becker às 8:37 AM 0 Comentário(s)

Alegria


Se eu podesse ser alegre.
Alegria mulata
Feita de quadris dançantes
Pernas tornadas, ofegantes
Coração disparando
Quando?
No tempo em que serei verão.

Suavidade


Ainda é tempo de
Saborear o perfume
Que emana suave
Da gota da carne.
Ver desabrochar
A pele
Os lábios
E as unhas sem navalhas.

30.3.11

Malena


Calor. Nuvens carregadas que pareciam não chover nunca. Quem olhasse para o céu pensaria ser sempre assim. Nuvens eternas abafando o dia e as noites. Suores misturavam-se nos ônibus, nas plataformas de trem e nas camas dos quartos imundos dos hotéis próximos à rodoviária. Malena era puta famosa mas nem por isto deixava de suar.

Batom carmim escuro deixavam a boca mais larga do que já era, o que lhe dava o apelido de Castanhola, principalmente quando dava suas gargalhadas que faziam a dentadura comprada ter som. Ariovaldo, seu dono, a exibia na rua com fartura de orgulho. Ora loira ora morena, dançava a tinta no cabelo conforme a estação do ano. Naquele dia de intenso calor tropical estava loira. O batom seguia carmim. Resolveu fazer ponto entre a rodoviária e a estação de trem. Seu dono almejava um fim de semana na praia e o dinheiro para tal faceirice era com Malena.

Vestiu-se adequadamente para aquele sol mormaço, calçando o salto mais alto que possuía das sandálias gastas do fundo do armário. Sentiu odor de ano anterior com algumas manchas adquiridas nos mofos do inverno. Mas era assim, mulher da vida só ganha sapato novo quando vira dona de pensão. Este não era o caso da puta de Ariovaldo, faltava algum tempo e muitos tabefes para chegar a este tipo de finura.
Ao sair pela porta da frente já ouviu o assobio de seu dono. Aviso acostumado para fazer presença de controle. Ela estava acostumada a esta rotina: na saída, um assobio; no retorno, a contagem do dinheiro na bolsa pastosa. Neste dia a mulher estava decidida a desempenhar seu papel com bravura, daria um fim de semana glorioso ao seu dono.

Sacudiu a bunda saltitante rumo à chegada dos passageiros. Rebocando a boca, deu com os olhos num moço bonito e das mais caprichadas roupas. Pareceu bom partido embora ainda jovem. Secou o suor e caminhou em direção ao moço. Rebolou bem os quadris dando marca na saia justa e curta. Piscou um olho, girou a bolsa e esfregou-se de leve no rapazote. Este enrubesce e desconcerta o olho verde e o outro azul. Ela insiste, sai andando, levando a mão de esmalte vermelho, empurrando-o carinhosamente em direção a um dos hotéis da zona. De preferência o mais caro e menos ardido.

Entram no quarto indo direto à cama. O rapaz estremece. Malena sente que será sua primeira vez. Suores escorrem pelos dois corpos. Ela delicadamente ensinou ao moço de um olho verde e outro azul os mistérios da vida de sexo. ¨Parece ter gostado¨... vai repetindo com a boca de castanholas e vai direto na carteira do ex –virgem. Nada. Nem uma moeda. Sacode a roupa, nada. Olha o novo homem e com os sapatos nas mãos vai saindo do quarto enquanto pensa: ¨Vou levar uns tabefes, não vai ter praia. Mas coitadinho dos olhos desiguais não sabia nada de transa e por vezes temos de ser professoras. Valeu, só não sei como pagar o hotel. Vai para a conta do nunca mais¨.

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Batem na campainha. Lavínia de toalha enrolada na longa cabeleira loura abre delicadamente a porta, mas antes pergunta quem é. Fica amedrontada indo primeiro ao interfone esclarecer com o porteiro, quem subiu sem ser avisado. Com a devida explicação ela volta menos temerária. O senhor da portaria disse ser uma senhora de tez morena, muito bem trajada, com perfume de boa fragrância. Lavínia volta devagar até a entrada dizendo lentamente "quem é"? A dama com voz suave responde: "é pelo anúncio". A dona da casa abre a porta, gosta da aparência mandando entrar no vestíbulo enfrente a cozinha.

"Como é teu nome"? "Esmeralda e sei tudo sobre casa, banheiro e fogão". Perguntas de praxe. Respostas adequadas. Lavínia mostra o apartamento todo enquanto Esmeralda vai desfilando uma centena de nomes de ex-patroas. Todas da mais alta sociedade do lugar. Não mostra medo a senhora da toalha e vai apontando o serviço detalhadamente colocando que tudo deve ser feito conforme o anúncio. Esmeralda vai de cabeça erguida comentando o sucesso da profissão justamente por acatar tudo o que foi combinado em cada anúncio por onde passou, concluindo que foram vários. Lavínia estava radiante e perguntou quando poderia começar. "Hoje mesmo disse a nova contratada basta assinar a carteira e esperar que eu vá pegar os chinelos de dedo. Ficou na sacola em meu carro”. A patroa ficou surpresa, mas vai ver. Era um "fuca” dos bem antigos. Lavinia terminou de secar os longos cabelos, esperou Esmeralda voltar e saiu para trabalho. Estava tudo resolvido poderia sair em paz.

Às seis horas quando retornou não havia nada arrumado e a empregada dormia em sua cama. Lavínia sacudiu-a perguntando: "o que fazes dormido na minha cama sem nada estar arrumado e nem comida sequer". "Cumpro o anúncio. Precisa-se de empregada que durma no emprego".

Balanço das árvores


Estou em frente da janela. Árvores dançam na minha íris como sílfides encantadas. É final de verão. Paralelo 30 já começa a preparar-se para receber o outono. Os pássaros começam a recolherem-se mais cedo e a solidão das tardes ensaia aparecer. È sempre triste o final do verão. Temos a impressão de que nunca mais iremos tomar banho de mangueira ou de piscina e mar, brincar na calçada até tarde e ver o sol sorrir sem ter pressa de ir embora. O que mais me doe na partida do verão é o medo do inverno. Sei que temos todo outono pela frente, mas a ideia da estação mais fria me roe os nervos e sinto que me vem prematuramente à solidão do inverno.


Paz


Na pureza do afeto
Encontrou a Paz
Do carvalho que purifica o vinho

Alegria


Se eu podesse ser alegre.
Alegria mulata
Feita de quadris dançantes
Pernas tornadas, ofegantes
Coração disparando
Quando?
No tempo em que serei verão.