Bailado das Abelhas

® Todos os direitos reservados à autora - Cida Becker/2006

28.9.11

No Velório


No velório de Madame Burnie chamava a atenção de todos um padre de batina surrada e pés escondidos embaixo da cadeira. Espiavam mais para o padre do que para o caixão de madame.

Sabia-se que ela era muito católica e membro de muitas entidades de caridade,por isto não suspeitavam do motivo daquele homem de tranqüilidade aparente estar sentado a tanto tempo a rezar sem terço nem livro de orações. Mas,era certo de que causava estranheza a batina, o silêncio da reza e o tempo que ali estava sem se mexer.

Mme. Burnie falava um Português arranhado pois era Belga do Sul e casara -se cedo com um francês que morreu em seguida, na Segunda Guerra em campos de batalhas quando da invasão alemã na França.

Ficou por muitos anos triste e sem esperanças. Dedicou a vida a fazer caridade. Cuidava de doentes na retaguarda das batalhas e finda a catástrofe passou a preocupar-se com todos os assuntos relacionados a miséria humana.

. A esperança voltou quando conheceu um médico brasileiro estudante da Sorbone e com este contraiu matrimônio e vieram para o Brasil. Mme. Burnie como era conhecida não deixou a caridade e passou a cuidar de mendigos, velhos abandonados, cães de rua ,meninos carentes, e outras situações onde era necessária a sua pessoa. Sempre muito católica andava de Terço na bolsa e estava cuidadosamente na moda das roupas tanto íntimas como as de uso externo. Nunca dispensou sapatos altos, nem os chinelos de quarto tinham salto baixo. Preconceitos deixava de lado.

Freqüentava várias igrejas, mas a que mais a agradava era a do seu Bairro, pois podia fazer sua ronda por vários mendigos vindos de uma vila miserável a poucas quadras da Igreja..O marido bom ser humano nunca se importou com as manias da mulher. Não tiveram filhos. “foi Deus que não quis” era o que dizia.

No seu enterro não se notava outro padre. Somente o de batina e timidez. Muitas flores sim, de todas entidades de caridade onde trabalhava .

De vagar começou a exalar um odor ruim, mas não vinha do caixão . Era do homem da batina. Apressaram o funeral. O sacerdote da paróquia de Mme. Burnier foi encarregado da encomendação e a fez bem mais rápido do que o esperado.

Chegou, cumprimentou os poucos parentes , o marido lastimoso fazendo logo seu ofício. Não deu para celebrar missa de corpo presente tal o mau odor.

Bem depois de ter ocorrido o sepultamento Aquiles levantou-se erguendo a batina e calçando o sapato de salto vermelho, ambos dados por Mme. Burnier, chorou copiosamente.

Depois daquele triste dia passou a fazer ponto de esmolas na frente do cemitério. O sapato vermelho e a batina foram sua vestimenta durante muitos verões e invernos.

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